quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

Quando meu texto estará pronto?


Nas redes sociais há muitas páginas voltadas a escritores iniciantes onde trocam experiências e conselhos para aprimorar a escrita. Nelas há quem peça sugestões para elaborar personagens, outros questionam sobre soluções narrativas, ou querem dicas de como vencer o bloqueio de escritor, e assim seguem uns ajudando os outros.

Já respondi algumas dessas perguntas. Recentemente, duas delas, em particular, me chamaram a atenção, não tanto pelas dúvidas em si, mas pelas respostas que receberam. Achei que seria útil comentar essas dúvidas, pois um conselho de alguém inexperiente, por mais bem intencionado que seja, pode ser mais prejudicial que benéfico.

Vejamos a primeira questão.

A pessoa que pedia ajuda dizia ter escrito um conto que, depois de algum tempo de “descanso”, foi revisado e, agora, poderia ser considerado praticamente pronto. Mesmo assim, ao ler a história, o(a) autor(a) conseguia identificar algumas falhas, mas a correção exigiria uma reescrita bastante extensa. Perguntava, então, se deveria reescrevê-lo ou se poderia publicá-lo naquele estado, mesmo com os problemas que tinha, reconhecendo-o como um trabalho de segunda linha.

As respostas que surgiram eram mais ou menos assim:

“Se o texto passa a emoção desejada, considere pronto. Um conto precisa ir direto ao ponto e esses retoques alterariam a dinâmica da trama. Se fosse um texto mais longo até haveria espaço para ajustes, mas num conto…”

“Dê para uma pessoa aleatória ler. Se ela achar que está bom, considere pronto, porque temos a tendência de, a cada lida, querer mudar alguma coisa.”

O problema com esses conselhos é que se baseiam em premissas erradas. Mesmo que você escreva por hobby, não significa que possa abrir mão de uma atitude profissional. Se o(a) próprio(a) autor(a) reconhece que o conto tem falhas, como pode sequer cogitar que o conto seja liberado, publicado ou divulgado sem corrigi-las? A pergunta já revela, em si, uma certa preguiça. A pessoa se desanimou com a necessidade de fazer correções muito grandes no texto, porque daria muito trabalho, então estava disposta a deixá-lo assim e aceitar que não era sua obra mais primorosa.

Mas um autor mais experiente sabe que é justamente durante as revisões que mais aprendemos. Mesmo sendo amadores, se queremos aprender e, um dia, sermos reconhecidos pela qualidade dos nossos textos, não podemos admitir que nosso trabalho vá a público com erros que nós mesmos já identificamos. Já é ruim o bastante deixar passar os erros que não vimos; muito pior é conhecê-los e não corrigi-los.

O que há de errado, então, com as respostas que foram mencionadas acima?

Um conto realmente exige uma objetividade maior. Mas isso não quer dizer que as falhas possam ser negligenciadas. A dinâmica é afetada? Continue revisando. Modele essa massa até ficar satisfeito com o resultado.

E aí entramos na seara do segundo conselho: mostrar a uma pessoa aleatória e ver se essas falhas são percebidas. É bem possível – e eu diria que é praticamente certo – que esse leitor “randômico” ache o texto bom e não faça críticas a ele. Talvez não perceba sequer as falhas que já foram vistas por quem o escreveu. Mas isso não significa que ele esteja pronto. Isso só evidencia que o leitor médio é pouco exigente e, principalmente, não está treinado a analisar um texto de forma crítica, procurando as falhas e apontando-as ao(à) autor(a).

Vejamos agora uma segunda pergunta que garimpei nas redes sociais: quando considerar o texto pronto; quantas vezes revisar e a quem mostrar para ter uma opinião isenta?

Já ficou claro que não devemos mostrá-lo a qualquer um. Então, a quem entregar essa importante missão? Precisa ser uma pessoa que não tenha medo de nos apontar os erros que não percebemos. Uma pessoa que nos diga o que precisa ser dito, e não o que gostamos de ouvir. Nessa hora temos de estar abertos às críticas. Não queremos que nos passem a mão na cabeça e digam: “Que lindo! Adorei.”

Onde encontrar, então, essa pessoa? Certamente não será um parente ou amigo, que só nos trará elogios e, quando muito, dirá se gostou ou não da história, sem ir a fundo na gramática, na estrutura, no enredo, no ritmo, na coerência, na adequação, nos vícios e em outras falhas comuns dos iniciantes.

A pessoa escolhida, caso você esteja realmente disposto(a) a aprender a arte da escrita e nela se aprimorar, deve ser alguém que escreve melhor que você. Se encontrar alguém experiência em revisão e análise crítica, como um editor ou revisor, melhor ainda. Mas não são todos que têm a sorte de ter um parente ou conhecido com esse perfil.

A solução para esse impasse é contratar um profissional, e nisso pesarão os seus objetivos pessoais. Se você só pretende publicar um blog e não tem intenção de se tornar um escritor profissional nem quer refinar sua arte, então essa etapa é dispensável. Aceite que seus textos serão sempre medíocres e continue fazendo histórias que serão consumidas apenas por seu círculo de amizades.

Se, por outro lado, você quer mesmo ser escritor e conquistar cada vez mais leitores, então talvez deva considerar a contratação de uma pessoa que faça esse trabalho profissionalmente. O custo desse tipo de serviço é proporcional ao tamanho do texto analisado, portanto, se você escreve contos curtos, não vai gastar muito. O benefício para seu aprendizado, no entanto, será imenso. Um profissional competente não só vai apontar suas falhas e sugerir formas de corrigi-las, mas falará do texto como um todo: conteúdo e forma. Também não temerá lhe dizer a verdade por medo de ferir seus sentimentos.

Em resumo, quando poderemos, então, considerar que o texto está realmente pronto?

Quando ele tiver passado pelos dois filtros: o do autor (ou autora) que o revisou até não encontrar mais erros, e o do crítico, que apontou os erros que o(a) autor(a) não foi capaz de ver. Como todos somos humanos, ainda poderá haver falhas, mas esse é o mínimo que se deve fazer para considerar um texto como finalizado e aceitável para divulgação ao público.

O importante é que ninguém pode se considerar escritor(a) se não estiver disposto(a) a revisar o texto antes de publicá-lo. A maior parte do trabalho de escrita é justamente a revisão. Um texto não revisado, não é um texto, é um rascunho. E escritores(as) de verdade não publicam rascunhos.





A propósito, caso tenha interesse em contratar um serviço profissional de revisão do seu texto, pode fazer um orçamento com a Oficina do Escritor.

domingo, 20 de agosto de 2017

Dois erros comuns em relação ao corretor ortográfico

Há dois erros muito comuns com os quais me deparo em textos que devo revisar.


O primeiro é não confiar no corretor ortográfico. Não sei se o desligam para evitar as marquinhas de correção, ou se simplesmente ignoram as palavras sublinhadas em vermelho. É lógico que ele não é perfeito. Mas por que não usá-lo? O editor de textos possui recursos para evitar que palavras corretas apareçam como erradas. Se o corretor indica uma palavra que temos certeza de estar certa, basta clicar com o botão direito sobre ela e escolher a opção de acrescentá-la ao dito dicionário.

O risco de cometer esse primeiro erro é enviar um texto cheio de palavras erradas e que, ainda por cima, estarão em destaque no editor de textos do receptor.

O segundo erro comum é justamente o contrário. Trata-se de confiar demais no corretor ortográfico. É achar que ele fará todas as correções possíveis e que, ao aceitar a sugestão de substituição em todas as palavras sublinhadas em vermelho, não haverá mais erros. Grande engano. Isso também evidencia que a pessoa desconhece o funcionamento do corretor ortográfico.

Esse recurso consiste numa simples verificação das palavras digitadas contra um banco de dados a que chamam de dicionário. Se a palavra está lá, ele não a marca. Se está, ele põe um sublinhado vermelho sinuoso sob a palavra digitada. Se, por exemplo, você escreveu “calorozamente”, como essa palavra não consta no dicionário, ela será identificada como errada. Então você poderá deixar o aplicativo substituí-lo pela palavra sugerida – “calorosamente” –, ou apenas trocar o “z” pelo “s”.

Mas há muitos casos em que o corretor não identifica o erro da palavra, pelo simples fato de que a palavra existe e consta do dicionário. “Mas então”, você poderá se questionar, “não significa que ela está certa?” Não. O fato de a palavra existir não significa que ela está sendo usada no contexto correto. A palavra existe, está escrita de forma correta, mas não deveria estar lá.

Talvez você entenda melhor com um exemplo. As palavras “viagem” e “viajem” existem. Ambas são corretas. A primeira é um substantivo. A segunda é o verbo viajar, na terceira pessoa do plural, presente do subjuntivo. Portanto, se a frase for: “Espero que façam uma boa viajem”, não haverá marcação de erro, embora seja errado usar o verbo no lugar do substantivo.

Enfim, apesar de ser chamado de dicionário, ele é apenas um banco de dados que confere se a palavra existe ou não. O aplicativo não é capaz de identificar se a palavra é adequada ao contexto. Pensa que esse é um caso atípico ou raro? Garanto que não. Veja os pares de palavras a seguir e tente imaginar frases com essas palavras trocadas: acharam/acharão, comeram/comerão, angústia/angustia, mágoa/magoa, calcada/calçada, ágora/agora, específica/especifica. Esses são só alguns exemplos. Há muitos casos mais. São palavras que, por existirem nas duas formas, o corretor não identificará como erradas. Portanto, se for esquecido um acento ou cedilha, a frase ficará errada e apenas uma leitura atenta poderá detectar isso.

O corretor ortográfico é só uma ferramenta para ajudar a detectar erros de digitação. Ele não corrige seu texto. A revisão é indispensável. Não duvido que os programas fiquem cada vez melhores e sejam cada vez mais capazes de identificar esse tipo de erro. Mas até lá, conhecer gramática e ortografia ainda são essenciais para quem precisa escrever um texto corretamente. 

sexta-feira, 11 de agosto de 2017

Núcleos e concordância

Já ouvi ou li muita recomendação de usar preferencialmente frases curtas para se produzir um bom texto. Eu discordo. Muitas vezes não é tão simples resumir uma frase complexa ou quebrá-la em períodos menores. No entanto, devo admitir que é muito comum ver erros de concordância em frases mais longas, geralmente causados pelo grande distanciamento entre os termos que deveriam concordar.

O truque para detectar esses é nos atentarmos aos núcleos do sujeito e do predicado.

Num blog sobre cinema, encontrei o seguinte trecho, que me motivou a escrever este artigo:

“Tudo que os Vingadores enfrentaram até agora os conduziram até esse momento. O destino da Terra e a existência em si nunca estiveram mais ameaçadas.”

Nos dois casos, há erro de concordância. Um verbal e outro nominal.

Analisemos a primeira:

“Tudo que os Vingadores enfrentaram até agora os conduziram até esse momento.”

O núcleo do sujeito é “tudo”. Porém, nessa frase, ele vem acompanhado de vários acessórios, ficando assim: “Tudo que os Vingadores enfrentaram até agora”. Isso tudo é o sujeito. Dentro dele, ainda há uma oração subordinada adjetiva restritiva. Essa oração restringe a palavra “tudo”, isto é, define que não é qualquer “tudo”, mas apenas o “que os Vingadores enfrentaram até agora”.

Acontece que o verbo conduzir refere-se a esse núcleo do sujeito e com ele deve concordar. Não se diz “tudo conduziram”, mas “tudo conduziu”. Portanto, a primeira frase só ficará correta se for: “Tudo que os Vingadores enfrentaram até agora os conduziu até esse momento.”

Agora vamos à segunda frase: “O destino da Terra e a existência em si nunca estiveram mais ameaçadas”. Neste caso temos um sujeito composto: “O destino da Terra” e “a existência em si”, cujos núcleos são “destino” (masculino) e “existência” (feminino).

Quando temos um conjunto formado de palavras masculinas e femininas, e um adjetivo comum relacionado a essas duas palavras, esse adjetivo deve estar no masculino plural. Portanto, “destino” e “existência” estão “ameaçados”. Eles não podem estar “ameaçadas”.

Logo, a frase escrita corretamente ficaria: “O destino da Terra e a existência em si nunca estiveram mais ameaçados.

Esses dois erros poderiam ser evitados se fosse dada atenção ao núcleo do sujeito. Concordância verbal e nominal não são difíceis, mas a distância entre os termos na oração pode dificultar a identificação de quem concorda com quem.

quinta-feira, 27 de julho de 2017

A “senhorita” está em coma.

Excepcionalmente, publicarei este artigo nos meus dois blogs. Ele diz respeito a ambos, porque trata de língua portuguesa e não deixa de ser um pitaco, uma opinião.

A palavra “senhorita” está fadada a desaparecer. Ela não tem mais sentido. Seus dias estão contados.

E por que eu digo isso?

Num passado não muito remoto, o papel da mulher na sociedade era ser propriedade do homem. A forma como isso se dava diferia de uma região pra outra. Em alguns lugares a submissão era total. O homem fazia o que bem entendia e a mulher acatava. Silenciava, obedecia e até apanhava. Em outros, havia uma submissão mais velada. Embora houvesse uma aparente liberdade, elas eram educadas para cuidar da casa enquanto o homem trabalhava. Seus brinquedos eram bonecas, fogões, pias. Quando um pouco maiores, ajudavam a mãe a lavar a louça enquanto os meninos iam jogar bola.

O sonho dessas mulheres era conseguir um bom casamento. Ainda assim, muitas vezes nem eram elas que faziam a escolha. No casamento elas mudavam de dono. O pai passava a propriedade da filha para o genro, seu novo dono. Isso ainda é representado nas cerimônias de casamento, em que o pai conduz a noiva ao altar e a entrega ao noivo.

Mas vivemos um tempo em que, felizmente, isso está mudando. Felizmente, porque é importante acontecer, embora não aconteça de forma tão rápida nem fácil. O machismo e o paternalismo ainda estão muito enraizados na cultura de homens e, lamentavelmente, também de mulheres.

E é nesse ritual matrimonial que a palavra “senhorita” se manifesta. A mulher era senhorita enquanto propriedade do pai. Como num cenário de hierarquia, senhorita era uma posição subordinada aos pais: o senhor e a senhora. Após o casamento, ela subia de hierarquia, supostamente no mesmo nível hierárquico do seu marido e senhor. Friso: supostamente.

Chamo ainda a atenção para o fato de que o filho do casal, quando estes tinham um funcionário ou empregado, era tratado por senhor. Nunca existiu um “senhorito”.

No cenário que temos hoje, a mulher já não precisa sonhar com um casamento para ter uma ilusória independência dos pais. Há alternativas. Há um mercado de trabalho em que elas podem se tornar senhoras sem depender de um casamento em que apenas transferirão a relação de dependência. E esse mercado é crescente. Antes era limitado a magistério, enfermagem, serviços domésticos, artes e prostituição. Mais tarde, garçonetes e comissárias. As mulheres provaram ao mundo que elas podem ser também médicas, engenheiras, pilotas, empresárias, mecânicas, atletas, marceneiras, tudo. Elas têm capacidade física e intelectual para exercer qualquer ofício que desejem. Então, se ela for uma profissional solteira, independente financeira e socialmente de seus pais, qual a finalidade de serem chamadas de senhoritas?

Essas mulheres são senhoras. Não por estarem ligadas a um senhor que as governe, mas por terem autoridade sobre a própria vida, por fazerem suas escolhas sem precisarem pedir bênçãos a ninguém.

O termo “senhorita” está ficando restrito. Seu valor está mais atrelado à idade que ao estado civil. Eu me recuso a chamar uma mulher independente, adulta, de senhorita, apenas pelo fato de ela não ter se casado. Para mim, essa mulher é uma senhora. Ela dirige a própria vida. É dona de si.

E não vejo por que a criança, ainda no seio familiar, precise dessa diferenciação. Se o irmão dela é tratado por senhor (ou senhorzinho), ela bem pode ser senhora (ou senhorinha). Afinal, em relação aos empregados da família, elas são patroazinhas também.

Ao final, o termo ficará moribundo, respirando por aparelhos ligados aos concursos de beleza. E, ainda assim, em inglês, o que torna a palavra ainda mais apagada.

Descanse em paz, “senhorita”.

segunda-feira, 29 de maio de 2017

Isto, isso ou aquilo?

É muito comum haver confusão entre esses três termos. Alguns dizem que não há diferença entre “isto” e “isso”, mas é um equívoco: eles são, sim, diferentes, e há regras para escolha de um ou de outro.

Para melhor entendimento, é preciso esclarecer que esses termos pressupõem três diferentes posições geográficas possíveis num diálogo. Chamemos de primeira posição (aqui), aquela do interlocutor que está com a palavra. A segunda posição (aí) é a do interlocutor que ouve, aquele que recebe a informação. A terceira posição (ali) é qualquer lugar distante tanto do falante como do ouvinte.

Vamos ilustrar para que fique mais claro.



Agora, devemos entender que o locutor que fala, o falante, é nosso ponto de referência primário. Ele vai se referir a um objeto qualquer.

Se esse objeto está com o próprio falante, ou seja, na posição 1, ele vai se referir ao objeto como isto. Logo, ele diz isto aqui.

Se o objeto está próximo do ouvinte, na posição 2, o falante irá se referir a ele como isso, ou seja isso aí.

Por fim, se o objeto está na posição 3, distante tanto do falante como do ouvinte, ele vai tratá-lo por aquilo, ou aquilo ali.

Perceba como não faz sentido dizer "isto aí", ou "isso aqui", da mesma forma que não se diz "isso ali", ou "aquilo aqui".

Caetano estava certíssimo ao cantar “Isto aqui, ô ô / é um pouquinho de Brasil iá iá”, porque o país e o povo a que ele se referia estavam próximos dele, na posição 1, o interlocutor falante.

Mas identificar o uso do "isto", "isso" e "aquilo" em relação à posição geográfica é fácil. A confusão, mesmo, ocorre quando temos de nos referir a termos da oração, em relação a sua posição temporal.

Mas há um truque fácil que pode simplificar tudo, e vou lhes ensinar.

O objetivo aqui é o falante apresentar ao ouvinte uma frase. Essa frase será substituída por isso, isto ou aquilo.

Pois imagine que essa frase seja como um presente que o falante vai entregar ao ouvinte. Se ele ainda não entregou o presente, significa que ainda está na mão dele, junto com ele, ou seja, na posição 1, aqui.

Se ele já entregou o presente, então a frase está com o ouvinte, na posição 2, aí.

Mas se é uma frase que foi entregue há muito tempo e que está sendo retomada, então não está mais com o falante nem com o ouvinte. Está na posição 3, ali.

Ficou confuso? Não se preocupe. Com exemplos fica mais fácil.

Primeiro caso, presente ainda não entregue.

— Só vou te dizer isto: não confies em ninguém.

“Não confies em ninguém” é o conselho que o falante dará ao ouvinte. É o presente. Mas antes de dá-lo, ele se refere ao presente como isto, porque ainda está com ele, isto é, na posição 1.

Agora o segundo caso. Primeiro ele dá o presente, depois se refere a ele.

— Não confies em ninguém. É isso que posso te dizer.

O conselho (presente) já havia sido entregue. Já está com o ouvinte. Portanto, na posição 2.

Para exemplificar o terceiro caso, vou ter de fazer um diálogo um pouquinho maior.

— Por que não confiaste em mim?
— Mas tu mesmo me disseste pra não confiar em ninguém!
— Ah! Aquilo foi por impulso, no calor do momento. Não se aplica a mim. Eu sou de confiança.

Como podem ver, o presente (o conselho de não confiar em ninguém) já havia sido entregue há bastante tempo. Está longe de ambos. Não está com o falante (por não ter ainda entregue) nem com o ouvinte (por ter acabado de recebê-lo), mas em algum lugar distante de ambos, em suas memórias. Logo, na posição 3, ali.


Raciocinando dessa maneira fica fácil deduzir quando usar um ou outro, não é mesmo? Lembrem-se, então, que essas regras (essas, porque já as entreguei a vocês) também valem para  outros pronomes demonstrativos, como este/esse/aquele ou esta/essa/aquela.

domingo, 2 de abril de 2017

segunda-feira, 27 de março de 2017

A diferença que faz uma vírgula!

Eu não uso Twitter. Mas pelo Facebook tive contato com uma piada originária do Twitter, através do repasse de um contato meu. A piada é essa abaixo.



Não tenho intenção de ficar explicando piada. Mas como o blog é sobre gramática, vou falar do pequeno deslize cometido na manchete.

O uso da vírgula é muito mal empregado em qualquer rede social e não vou ficar especulando aqui sobre a qualidade da educação. Era de se esperar, pelo menos, que um jornalista tomasse o cuidado de usá-la corretamente. Acredito, no entanto, que tenha sido um mero deslize e não vou condená-lo por esse erro, que poderia ter sido cometido por qualquer um. Mas quando a mídia especializada comete erros desse tipo, a população não perdoa.

Pois bem. Qual foi o erro, então?

O uso da vírgula, embora na maioria das vezes siga regras bem específicas, em alguns casos serve para evitar ambiguidade. Foi exatamente o caso na notícia acima. A expressão “sem sutiã” na manchete, muito próxima da palavra “arcebispo”, deixa a impressão de que o arcebispo é que estava sem sutiã. Uma vírgula  depois da palavra “arcebispo” teria sugerido o afastamento entre esses termos da oração, levando automaticamente a identificarmos que quem estava sem sutiã era a pessoa mencionada anteriormente, ou seja, Angelina Jolie. Vejam:

Jolie vai a reunião com arcebispo, sem sutiã, e vira assunto nas redes sociais.

Talvez pelo contexto, a maioria dos leitores não tenha percebido a gafe, pois ninguém esperaria que o arcebispo usasse sutiã. Numa leitura rápida, a maioria dos leitores entendeu que era Jolie que estava sem sutiã. Mas o descuido deixou a porta aberta para que João Luis Jr. se aproveitasse de forma genial da situação. Numa só tacada ele tirou sarro do deslize do jornal e ainda criticou esse policiamento exagerado que se faz sobre as menores atitudes de qualquer celebridade.

Numa breve pesquisa no Google (usando os termos “Jolie Arcebispo sem sutiã”) podemos ver que outros jornais usaram estratégias para fugir dessa pegadinha ao dar a mesma notícia.

O Observatório do Cinema escreveu: “Sem sutiã, Angelina Jolie vai a reunião com arcebispo e causa polêmica”. O Fuxico fez manchete parecida: “Sem sutiã, Angelina Jolie encontra arcebispo e vira assunto na web”. Ambos escaparam de forma elegante, aproximando a expressão daquela a quem se referia. O Catraca Livre escreveu: “Angelina Jolie causa polêmica por ir a reunião sem sutiã”, excluindo o arcebispo da frase por garantia. Metropoles resolve mudar a posição da expressão e também evita a ambiguidade ao redigir a manchete da seguinte forma: “Angelina Jolie vai sem sutiã a reunião com arcebispo e é criticada”.

Até o momento em que escrevi isso, ninguém tinha alterado as manchetes dos sites. Nem há necessidade. Essa correção seria adequada a uma notícia com erros crassos de veracidade. Mas um deslize tão pequeno não merece tanta atenção para ser corrigido, assim como a própria notícia não merecia atenção para ser veiculada. Afinal, o próprio arcebispo nem tocou no assunto e só elogiou a atriz, dizendo ter sido um privilégio recebê-la.

terça-feira, 14 de março de 2017

Discurso Indireto Livre

Numa história há três tipos de discurso.


1)  O discurso direto, em que o narrador reproduz a fala do personagem usando aspas ou travessões, como neste exemplo:

João se dirigiu a recepcionista:
—Por favor, em que andar é a sala do Dr. Coutinho?

2)  O discurso indireto, em que o próprio narrador menciona qual foi a fala do personagem:

João se dirigiu à recepcionista e perguntou em que andar ficava a sala do Dr. Coutinho.

Quando se usa um e quando se usa o outro?
Normalmente quando se inicia um diálogo, ou onde as falas dos personagens são longas, usar o discurso direto é mais adequado. Deixa-se o discurso indireto, então, para pequenas falas entremeadas na narrativa, como no exemplo dado. Não há por que criar uma introdução para um diálogo apenas para uma curta fala. Vejam.

Naquela manhã João estava disposto a resolver algumas pendências que vinha adiando. Em primeiro lugar iria ao dentista. Apesar de não estar sentindo dor, já havia passado da hora de fazer um exame de rotina e uma profilaxia.
Chegou ao edifício, dirigiu-se a recepcionista, perguntou em que andar ficava a sala do Dr. Coutinho e entrou no elevador.
Na sala de espera puxou o celular para ver se havia alguma mensagem. Como não havia nada, foi até a mesa de centro procurar alguma leitura pra passar o tempo. Mas era difícil achar algo de seu agrado. A maioria das revistas eram sobre odontologia.

Caso fôssemos usar o discurso direto no trecho acima, haveria uma desnecessária quebra de ritmo.

Naquela manhã João estava disposto a resolver algumas pendências que vinha adiando. Em primeiro lugar iria ao dentista. Apesar de não estar sentindo dor, já havia passado da hora de fazer um exame de rotina e uma profilaxia.
Chegou ao edifício, dirigiu-se a recepcionista e perguntou:
—Por favor, em que andar é a sala do Dr. Coutinho?
De posse da informação, entrou no elevador.
Na sala de espera puxou o celular para ver se havia alguma mensagem. Como não havia nada, foi até a mesa de centro procurar alguma leitura pra passar o tempo. Mas era difícil achar algo de seu agrado. A maioria das revistas eram sobre odontologia.

Mas o formato de discurso mais interessante, na minha opinião, é o:

3)  Discurso indireto livre. Esse tipo de narrativa não se enquadra nos casos descritos acima. Ele é um recurso muito valioso que permite ao narrador entrar na consciência do personagem, provocando uma maior empatia com o leitor ao revelar sua forma de pensar, sua linha de raciocínio.

Embora não seja um recurso fácil de usar, quando bem aproveitado enriquece muito o texto. É uma arma poderosa do escritor para cativar o leitor. O trecho abaixo é retirado do livro “A Guerra dos Tronos”, página 12:

Will viu movimento com o canto do olho. Sombras pálidas que deslizavam pela floresta. Virou a cabeça, viu de relance uma sombra branca na escuridão. Logo depois ela desapareceu. Galhos agitaram-se gentilmente ao vento, coçando uns aos outros com dedos de madeira. Will abriu a boca para gritar um aviso, mas as palavras pareceram congelar na garganta. Talvez estivesse errado. Talvez tivesse sido apenas uma ave, um reflexo na neve, um truque qualquer do luar. Afinal, o que vira?
—Will, onde está?  — chamou Sor Waymar. — Vê alguma coisa? — o homem descrevia um círculo lento, cauteloso, de espada na mão. Deve tê-los pressentido, tal como Will os pressentia. Nada havia para ver. — Responda! Por que está tão frio?

Os trechos em vermelho são discurso indireto livre. Vejam como ele dispensa uma explicação. O autor não usa verbos para descrever que se tratam de pensamentos do personagem. Ele não diz: “Pensou que talvez estivesse errado. Imaginou se não teria sido uma ave, um reflexo na neve ou um truque qualquer do luar. Indagava-se o que teria visto, afinal.” Isso estragaria todo o texto. O discurso indireto livre segue fluido como uma fala do narrador que, naquele momento, incorpora o personagem e expõe suas ideias ao leitor.
Repito. É um recurso belo e muito poderoso. Deve ser usado com parcimônia e cuidado. Há momentos certos para sua aplicação num texto, e serve justamente para criar esse elo que prende o leitor, trazendo-o para dentro da história, fazendo-o sentir as mesmas emoções e sensações que o herói ou vilão sente.

Preste atenção no emprego desse recurso em suas próximas leituras. É fácil encontrar esse tipo de construção nos bons escritores. É uma ferramenta clássica e pode ser encontrado em autores de todas as épocas. Tente colocá-lo em seus próprios textos e veja se o efeito não é arrebatador. Você nunca mais abrirá mão dele.

terça-feira, 7 de março de 2017

Quer ser escritor? Escreva.

Você que acompanha este blog deve estar interessado no que ele promete: ajudar você a escrever melhor. Já deve ter ouvido muito que pra ser um bom escritor é preciso ler muito. Não discordo dessa afirmação, mas não é lendo muito que você vai se tornar um bom escritor. É escrevendo muito. E melhorando a escrita a cada frase nova.

Você não acha que assistindo a todos os jogos de futebol transmitidos na TV você vai se tornar um grande jogador profissional, acha? Pois tenho uma novidade para você: se ler muito, também não vai se tornar escritor. Vai se tornar um leitor. Talvez um crítico.

Como toda habilidade no mundo, o aprimoramento vem da prática constante. Quer ter músculos? Exercite-os na academia. Quer aprender inglês? Procure com quem falar em inglês. Quer ser jogador de xadrez? Jogue xadrez. Parece óbvio, mas ficaria surpreso em ver o quanto eu encontro de gente por aí que se acha bom escritor e não sabe concordância, esquece de usar vírgulas e acha a crase uma coisa de outro mundo.

“Mas como vou escrever mais e melhor?” — Você me pergunta.

O seu dia-a-dia está repleto de oportunidades para escrever. Use-as. Duvido que você não passe diversas horas escrevendo no WhatsApp. Ou no Facebook. Um bom começo é abolir as abomináveis e aberrantes abreviações (aliteração proposital para chamar sua atenção) que se costuma usar nas redes sociais. Jogue fora o “vc”, o “td” o “kd”, o “flw”, o “vlw” e outros horrores comuns de se ver por aí. Aproveite o embalo e use pontuação. Construa frases completas. Não fique tentado a responder apenas “S” ou “Sim.” Escreva: “É claro que eu vou à festa. Não a perderia por nada desse mundo.”

Sabe o que vai acontecer quando você fizer isso? Seu teclado vai aprender um novo vocabulário e você pode chegar a escrever mais rápido no celular do que no computador, que não conta com esse recurso. “Hein? Como assim?” Se você ainda não sabe, o teclado do seu celular vai aprendendo com a sua digitação. De onde você acha que vêm aquelas palavras que ele sugere quando você digita as primeiras letras de uma palavra? Por que quando você digita “ca...” ele sugere “casa” ao invés de “calango” ou “capivara”? Porque você digita com muito mais frequência a palavra “casa” do que as outras duas. Esse é só um dos benefícios de se escrever corretamente: ensinar seu telefone a ser verdadeiramente esperto (smart).

Assim como seu telefone, seu cérebro também irá aprender. Com essa prática você começará a cometer menos erros, aprenderá vocabulário e melhorará a capacidade de se fazer entender. E não só na internet!

Além das redes sociais e comunicadores instantâneos, atente-se à forma como escreve na escola ou no trabalho. Vai passar um bilhete para a crush? Capriche na escrita e aumente suas chances de receber um sorriso de volta. Vai deixar um recado para o chefe? Clareza é fundamental.

Lógico que isso não é o suficiente. Como eu disse, é só um começo, mas um bom começo! Para ser escritor (ou jornalista, ou publicitário) você tem de produzir também material da sua área. Escreva contos, escreva slogans, escreva notícias. Procure profissionais experientes da área que possam fazer uma leitura crítica dos seus escritos. Caso não conheça alguém que se voluntarie, saiba que existem profissionais que fazem leitura crítica mediante pagamento. Dependendo do seu caso, pode valer a pena. Pense nisso.

E, finalmente, leia muito. Não deixe de ler. Verá que, aos poucos, a sua leitura ficará mais crítica e você não só aprenderá técnicas usadas pelos seus autores preferidos, mas também encontrará erros e deslizes em coisas que encontra por aí. E não estou me referindo ao cartaz na porta da borracharia, não, mas a manchetes de jornais conceituados e publicidades de artigos caros. Ou você acha que eles também não cometem erros?

sexta-feira, 3 de março de 2017

Chorando se foi a Regência Verbal

Um erro muito comum, que me incomoda, mas que parece não receber a devida atenção no meio acadêmico, é o erro de regência verbal. Quando a frase é direta, é fácil perceber o erro. O problema é que, em orações subordinadas, quando o objeto é substituído por uma oração, o erro de regência parece se ocultar na complexidade da frase.

Vejamos um exemplo bem cotidiano para ilustrar o que eu digo.

“Ela gosta do rapaz.”

O verbo “gostar” exige a preposição “de” e acho que mesmo quem não é muito fã de gramática jamais diria “Ela gosta o rapaz”. Essa é uma frase simples, direta, de uma única oração. Agora vejamos o que acontece quando colocamos essa oração como subordinada de outra.

“Esse é o rapaz que ela gosta.”

Temos dois verbos nessa frase, portanto duas orações. O verbo “ser” em “esse é o rapaz”, e o verbo gostar em “que ela gosta”. O problema é que a construção dessa frase está errada. E o erro está justamente na regência verbal do verbo gostar. Ele é transitivo indireto e sabemos que ele exige o “de”, como já dissemos mais acima. A oração “que ela gosta” é uma oração subordinada adjetiva restritiva. Ela faz o papel de um adjetivo que qualifica e restringe a palavra “rapaz”. Esse não é qualquer rapaz. É um rapaz especial.  O pronome “que” nessa oração tem a finalidade de evitar a repetição da palavra “rapaz”. Separando as orações e substituindo “que” por “rapaz”, a segunda oração ficaria “ela gosta o rapaz” ficando assim evidenciado o erro.

A construção correta dessa frase seria, então: “Esse é o rapaz de que ela gosta.”

Esse é um erro muito comum que é fácil de ser encontrado em letras de músicas, campanhas publicitárias, manchetes e notícias de jornal. Basta estar atento. Na minha opinião, isso evidencia o descuido com que esse tema é tratado nas aulas de gramática. Como pode um publicitário ou jornalista cometer um erro desses?

Veja o exemplo de uma canção que fez muito sucesso um tempo atrás.

“Chorando se foi quem um dia só me fez chorar.
Chorando estará ao lembrar de um amor que um dia não soube cuidar.”

Você, leitor, sabe me apontar onde está o erro de regência verbal? Depois da explicação acima fica fácil percebê-lo, não é?

Então, se você ama o português como eu, não vai deixar passar esse tipo de erro.

Mostre pra mim que você está atento. Comente sobre outros erros semelhantes de regência verbal encontrados por você em músicas, notícias ou campanhas publicitárias.