quinta-feira, 20 de setembro de 2018

Regência verbal com pronomes relativos


Regência verbal é o tipo de assunto que, num estudo superficial, parece simples. Analisado mais a fundo, no entanto, prega muitas peças. Um caso específico em que o aluno acaba por se confundir quando redige uma dissertação é a combinação de regência verbal com o pronome relativo.



Já falei disso num outro artigo, mas vou tentar detalhar mais e facilitar para você que está prestando vestibular.

A linguagem falada parece indicar que o pronome relativo nunca exige complemento. Parece-nos até feio usar a regência correta quando estamos conversando. Talvez a regência correta dê um ar pedante à fala, como qualquer fala muito correta. Mas devemos lembrar que na redação é exigido o domínio da norma culta, então precisamos nos desfazer desse preconceito linguístico às avessas e prestar mais atenção à regra.

Não há dúvida de que o verbo gostar requer o uso da preposição “de”.

Paulinho gosta daquela menina. (daquela = de + aquela)
José gosta de chocolate.
Gostei do seu penteado. (do = de + o)

Por que, então, quando o pronome relativo é introduzido na equação, os candidatos se esquecem de usar a preposição “de”?

Aquela é a menina que o Paulinho gosta.
O que José gosta?

Em todas essas orações o “de” foi subtraído. Na sua redação não abra mão dele. Essas frases estão erradas, a regência foi violada, e você perderá pontos se as escrever assim. Antes, prefira a forma correta:

Aquela é a menina DE que o Paulinho gosta.
DO que José gosta?

Não vem ao caso discutir aqui o porquê desse fenômeno. Na redação isso é considerado erro, não é aceito, e ponto final. Vejamos outros casos de regência verbal que também acabam se corrompendo na presença do pronome relativo. Tentarei exemplificar com frases bastante corriqueiras, do tipo que se ouve todo dia.

Errado:                 O restaurante que eu fui servia comida chinesa.
Certo:                   O restaurante A que eu fui servia comida chinesa.

Errado:                 Na rua que eu moro tem uma casa abandonada.
Certo:                   Na rua EM que eu moro tem uma casa abandonada.

Errado:                 Era bom o filme que eu assisti.
Certo:                   Era bom o filme A que eu assisti.

Errado:                 Eis aqui uma pessoa que eu confio.
Certo:                   Eis aqui uma pessoa EM que eu confio.

Errado:                 O amigo cuja casa ele foi, ficou doente.
Certo:                   O amigo A cuja casa ele foi, ficou doente.

Errado:                 Esse é o livro o qual te falei.
Certo:                   Esse é o livro DO qual te falei.

Agora, como saber que é preciso corrigir a regência nessas frases? No cotidiano fala-se desse jeito, o aluno está acostumado a falar assim, parece-lhe certo escrever também dessa forma.

O truque é desconstruir a frase para nos certificarmos da regência. Para saber se aquela é a menina que Paulinho gosta ou de que o Paulinho gosta, é só separarmos a frase em duas, eliminando o pronome relativo.

“Aquela é a menina DE que o Paulinho gosta.” porque “Paulinho gosta DAQUELA (de + aquela) menina”.
“Quero saber DO (de + o) que José gosta” porque “José deve gostar DE alguma coisa.”

Então, da mesma forma, podemos analisar os exemplos subsequentes.

Eu fui AO (a + o) restaurante.
Eu moro NA (em + a) rua.
Eu assisti AO (a + o) filme.
Eu confio NA (em + a) pessoa.
Ale foi À (a + a) casa do amigo.
Falei-te DO (de + o) livro.

Como se pode ver, não é difícil, desde que a regência do verbo utilizado seja conhecida. Nesse caso, é apenas uma questão de atenção e de prática.

Abraço fraternal do Professor Rafael.

quinta-feira, 13 de setembro de 2018

Redação - Marcas de Oralidade


Com as proximidades dos exames vestibulares, vou começar uma série de postagens com dicas e alertas que devem beneficiar os candidatos a uma vaga na universidade. Tenho corrigido muitas redações e pretendo apontar os erros mais frequentes cometidos pelos alunos. O primeiro desses erros é o uso de marcas de oralidade. É um tema amplo, pois há várias formas de cometê-lo.

Uma introdução.



A linguagem escrita não é a mesma que a linguagem falada. Um texto escrito é muito diferente de uma fala, mas não por pedantismo ou vaidade. É que a linguagem escrita permite o cuidado de planejar, estruturar, revisar e, com isso, há uma maior cobrança do leitor pelas regras gramaticais sobre o texto escrito. Na linguagem oral, mesmo em falas planejadas como aulas e palestras, certos erros são considerados aceitáveis, como pequenos erros de concordância, falta de paralelismo, gírias ou informalidade.
Mas não é dos erros gramaticais que vamos tratar aqui. Há uma diferença mais sutil entre o texto escrito e o falado que às vezes não é percebido pelo aluno. As marcas de oralidade são detalhes que cabem no texto falado, mas que tornam o texto escrito inadequado, mesmo que não pareçam ser erros. Algumas vezes a gramática até pode estar impecável, mas a marca de oralidade se faz presente, estragando todo o conjunto.
Mas o que são, então, essas marcas de oralidade?
Bom… Este texto aqui não é uma redação de vestibular, portanto eu me permito certas liberdades que não seriam aceitas numa dissertação. Caso contrário, aquela pergunta ali em cima já poderia ser considerada uma marca de oralidade. É uma pergunta retórica, recurso válido numa conversa, mas que não cai bem na redação.
O aluno é convidado a dissertar, por exemplo, sobre a pena de morte. Imaginemos então a seguinte redação:

No Brasil não há pena de morte. Mas por que não podemos implantá-la aqui? Tudo começa na Constituição. De acordo com ela, a pena de morte foi abolida no Brasil e só tem previsão de aplicação para crimes militares em caso de guerra. Ainda assim, há protocolos bastante específicos para seu uso. Mas, uma emenda não poderia mudar isso? Não, é uma cláusula pétrea.

Vejam que não há erros gramaticais evidentes no trecho acima, mas há duas perguntas retóricas. Para quem não sabe, pergunta retórica é uma interrogação que não tem como objetivo obter uma resposta, mas sim estimular a reflexão do individuo sobre determinado assunto.  Embora seja muito usada por professores e palestrantes, não é aceitável colocá-las numa redação. A dissertação não é uma aula. É um texto escrito de formato bastante rígido. Deve ser objetivo, e a pergunta retórica não condiz com sua estrutura.
Vejamos como ficaria o texto sem as perguntas retóricas:

No Brasil não há pena de morte e a Constituição nos impede de implantá-la. De acordo com o texto da Carta Magna, a pena de morte foi abolida no Brasil e só tem previsão de aplicação para crimes militares em caso de guerra. Ainda assim, há protocolos bastante específicos para seu uso. Sendo essa uma cláusula pétrea, não pode ser mudada nem por emenda.

Percebam como esse texto fica mais objetivo e impessoal.  Essa pessoalidade é que deve ser evitada na redação. Outra forma parecida de se incorrer em oralidade é conversar com o leitor, tratá-lo por você ou tu. Ao invés disso, prefira usar sujeito indeterminado ou voz passiva.
Vejamos um exemplo, supondo que o tema seja segurança pública:

É preciso haver maior policiamento. Você não pode ficar à mercê dos bandidos enquanto espera um ônibus, por exemplo.

Em lugar disso, prefira:

É preciso haver maior policiamento. O cidadão não pode ficar à mercê dos bandidos enquanto espera um ônibus, por exemplo.

Fácil corrigir, certo?
Um deslize mais sutil é quando o aluno suprime trechos da frase, elementos que poderiam ficar subentendidos numa conversa, mas que na linguagem escrita podem deixar a frase incompleta ou até sem sentido.
Imaginemos uma redação em que o tema seja a grande quantidade de incêndios que vêm destruindo o patrimônio cultural do Brasil nos últimos anos:

O incêndio no Museu da Língua Portuguesa não causou tantas perdas porque o acervo era imaterial, informação digital que pode ser recuperada. Já o Museu Nacional é muito grave.

Quando duas pessoas conversam sobre esse assunto, não há dúvidas de que a intenção é dizer que O INCÊNDIO ocorrido no Museu Nacional foi muito grave. Mas na redação isso não pode ser omitido. O aluno não pode dizer que O MUSEU É GRAVE. Isso é marca de oralidade. O aluno pensa que se não é errado falar assim, então também não há problema em escrever do mesmo jeito. Engana-se. É um problema, sim, e o fará perder pontos, pois é uma característica observada pelos examinadores.
Por fim, outra marca de oralidade bastante comum é o uso de gírias ou expressões inadequadas. No exemplo, pensemos num tema como corrupção:

Percebemos, por esses dados, que os políticos não estão nem aí para a população. Estão se lixando se as crianças ficam sem merenda na escola, desde que o dinheiro vá encher os bolsos deles.

“Não estão nem aí”, “estão se lixando”, “encher os bolsos”. Evite isso tudo. Busque formas mais impessoais de dizer a mesma coisa. Não é pra você conhecer palavras difíceis que os professores pedem que enriqueçam o vocabulário. É para saber como dizer a mesma coisa de outra forma, mesmo que use palavras corriqueiras.

Percebemos, por esses dados, um completo descaso da classe política para com o povo que supostamente representam. Não se comovem com a falta de merenda nas escolas. O que importa para eles é continuar desviando as verbas para seu próprio benefício.

Tem alguma palavra difícil aí? Você precisou recorrer ao dicionário para entender o que está escrito? Claro que não. Apenas usei um vocabulário mais rico para reescrever o trecho de forma mais formal. Podemos até imaginar que o primeiro exemplo seja o rascunho, e que o segundo seja a versão definitiva, passada a limpo na folha de resposta. O aluno percebeu que estava inadequado e corrigiu a tempo.

Espero ter ajudado você a se preparar para a prova, caro leitor. Pretendo colocar muitas dicas mais para que arrase na redação.

Um grande abraço.

Professor Rafael.