quinta-feira, 27 de julho de 2017

A “senhorita” está em coma.

Excepcionalmente, publicarei este artigo nos meus dois blogs. Ele diz respeito a ambos, porque trata de língua portuguesa e não deixa de ser um pitaco, uma opinião.

A palavra “senhorita” está fadada a desaparecer. Ela não tem mais sentido. Seus dias estão contados.

E por que eu digo isso?

Num passado não muito remoto, o papel da mulher na sociedade era ser propriedade do homem. A forma como isso se dava diferia de uma região pra outra. Em alguns lugares a submissão era total. O homem fazia o que bem entendia e a mulher acatava. Silenciava, obedecia e até apanhava. Em outros, havia uma submissão mais velada. Embora houvesse uma aparente liberdade, elas eram educadas para cuidar da casa enquanto o homem trabalhava. Seus brinquedos eram bonecas, fogões, pias. Quando um pouco maiores, ajudavam a mãe a lavar a louça enquanto os meninos iam jogar bola.

O sonho dessas mulheres era conseguir um bom casamento. Ainda assim, muitas vezes nem eram elas que faziam a escolha. No casamento elas mudavam de dono. O pai passava a propriedade da filha para o genro, seu novo dono. Isso ainda é representado nas cerimônias de casamento, em que o pai conduz a noiva ao altar e a entrega ao noivo.

Mas vivemos um tempo em que, felizmente, isso está mudando. Felizmente, porque é importante acontecer, embora não aconteça de forma tão rápida nem fácil. O machismo e o paternalismo ainda estão muito enraizados na cultura de homens e, lamentavelmente, também de mulheres.

E é nesse ritual matrimonial que a palavra “senhorita” se manifesta. A mulher era senhorita enquanto propriedade do pai. Como num cenário de hierarquia, senhorita era uma posição subordinada aos pais: o senhor e a senhora. Após o casamento, ela subia de hierarquia, supostamente no mesmo nível hierárquico do seu marido e senhor. Friso: supostamente.

Chamo ainda a atenção para o fato de que o filho do casal, quando estes tinham um funcionário ou empregado, era tratado por senhor. Nunca existiu um “senhorito”.

No cenário que temos hoje, a mulher já não precisa sonhar com um casamento para ter uma ilusória independência dos pais. Há alternativas. Há um mercado de trabalho em que elas podem se tornar senhoras sem depender de um casamento em que apenas transferirão a relação de dependência. E esse mercado é crescente. Antes era limitado a magistério, enfermagem, serviços domésticos, artes e prostituição. Mais tarde, garçonetes e comissárias. As mulheres provaram ao mundo que elas podem ser também médicas, engenheiras, pilotas, empresárias, mecânicas, atletas, marceneiras, tudo. Elas têm capacidade física e intelectual para exercer qualquer ofício que desejem. Então, se ela for uma profissional solteira, independente financeira e socialmente de seus pais, qual a finalidade de serem chamadas de senhoritas?

Essas mulheres são senhoras. Não por estarem ligadas a um senhor que as governe, mas por terem autoridade sobre a própria vida, por fazerem suas escolhas sem precisarem pedir bênçãos a ninguém.

O termo “senhorita” está ficando restrito. Seu valor está mais atrelado à idade que ao estado civil. Eu me recuso a chamar uma mulher independente, adulta, de senhorita, apenas pelo fato de ela não ter se casado. Para mim, essa mulher é uma senhora. Ela dirige a própria vida. É dona de si.

E não vejo por que a criança, ainda no seio familiar, precise dessa diferenciação. Se o irmão dela é tratado por senhor (ou senhorzinho), ela bem pode ser senhora (ou senhorinha). Afinal, em relação aos empregados da família, elas são patroazinhas também.

Ao final, o termo ficará moribundo, respirando por aparelhos ligados aos concursos de beleza. E, ainda assim, em inglês, o que torna a palavra ainda mais apagada.

Descanse em paz, “senhorita”.