Com as
proximidades dos exames vestibulares, vou começar uma série de postagens com
dicas e alertas que devem beneficiar os candidatos a uma vaga na universidade. Tenho
corrigido muitas redações e pretendo apontar os erros mais frequentes cometidos
pelos alunos. O primeiro
desses erros é o uso de marcas de oralidade. É um tema amplo, pois há várias
formas de cometê-lo.
Uma
introdução.
A linguagem
escrita não é a mesma que a linguagem falada. Um texto escrito é muito
diferente de uma fala, mas não por pedantismo ou vaidade. É que a linguagem
escrita permite o cuidado de planejar, estruturar, revisar e, com isso, há uma
maior cobrança do leitor pelas regras gramaticais sobre o texto escrito. Na
linguagem oral, mesmo em falas planejadas como aulas e palestras, certos erros
são considerados aceitáveis, como pequenos erros de concordância, falta de paralelismo,
gírias ou informalidade.
Mas não é dos
erros gramaticais que vamos tratar aqui. Há uma diferença mais sutil entre o texto
escrito e o falado que às vezes não é percebido pelo aluno. As marcas de
oralidade são detalhes que cabem no texto falado, mas que tornam o texto
escrito inadequado, mesmo que não pareçam ser erros. Algumas vezes a gramática até
pode estar impecável, mas a marca de oralidade se faz presente, estragando todo
o conjunto.
Mas o que
são, então, essas marcas de oralidade?
Bom… Este
texto aqui não é uma redação de vestibular, portanto eu me permito certas
liberdades que não seriam aceitas numa dissertação. Caso contrário, aquela
pergunta ali em cima já poderia ser considerada uma marca de oralidade. É uma
pergunta retórica, recurso válido numa conversa, mas que não cai bem na
redação.
O aluno é
convidado a dissertar, por exemplo, sobre a pena de morte. Imaginemos então a
seguinte redação:
No Brasil não há pena de morte. Mas por que
não podemos implantá-la aqui? Tudo começa na Constituição. De acordo com ela, a
pena de morte foi abolida no Brasil e só tem previsão de aplicação para crimes
militares em caso de guerra. Ainda assim, há protocolos bastante específicos
para seu uso. Mas, uma emenda não poderia mudar isso? Não, é uma cláusula
pétrea.
Vejam que não
há erros gramaticais evidentes no trecho acima, mas há duas perguntas
retóricas. Para quem não sabe, pergunta retórica é uma interrogação que não tem
como objetivo obter uma resposta, mas sim estimular a reflexão do individuo
sobre determinado assunto. Embora seja
muito usada por professores e palestrantes, não é aceitável colocá-las numa
redação. A dissertação não é uma aula. É um texto escrito de formato bastante
rígido. Deve ser objetivo, e a pergunta retórica não condiz com sua estrutura.
Vejamos como
ficaria o texto sem as perguntas retóricas:
No Brasil não há pena de morte e a
Constituição nos impede de implantá-la. De acordo com o texto da Carta Magna, a
pena de morte foi abolida no Brasil e só tem previsão de aplicação para crimes
militares em caso de guerra. Ainda assim, há protocolos bastante específicos
para seu uso. Sendo essa uma cláusula pétrea, não pode ser mudada nem por
emenda.
Percebam como
esse texto fica mais objetivo e impessoal.
Essa pessoalidade é que deve ser evitada na redação. Outra forma
parecida de se incorrer em oralidade é conversar com o leitor, tratá-lo por
você ou tu. Ao invés disso, prefira usar sujeito indeterminado ou voz passiva.
Vejamos um
exemplo, supondo que o tema seja segurança pública:
É preciso haver maior policiamento. Você não
pode ficar à mercê dos bandidos enquanto espera um ônibus, por exemplo.
Em lugar
disso, prefira:
É preciso haver maior policiamento. O
cidadão não pode ficar à mercê dos bandidos enquanto espera um ônibus, por exemplo.
Fácil
corrigir, certo?
Um deslize
mais sutil é quando o aluno suprime trechos da frase, elementos que poderiam
ficar subentendidos numa conversa, mas que na linguagem escrita podem deixar a
frase incompleta ou até sem sentido.
Imaginemos
uma redação em que o tema seja a grande quantidade de incêndios que vêm
destruindo o patrimônio cultural do Brasil nos últimos anos:
O incêndio no Museu da Língua Portuguesa não
causou tantas perdas porque o acervo era imaterial, informação digital que pode
ser recuperada. Já o Museu Nacional é muito grave.
Quando duas
pessoas conversam sobre esse assunto, não há dúvidas de que a intenção é dizer que O INCÊNDIO ocorrido no Museu Nacional foi muito grave. Mas na redação
isso não pode ser omitido. O aluno não pode dizer que O MUSEU É GRAVE. Isso é
marca de oralidade. O aluno pensa que se não é errado falar assim, então também
não há problema em escrever do mesmo jeito. Engana-se. É um problema, sim, e o
fará perder pontos, pois é uma característica observada pelos examinadores.
Por fim,
outra marca de oralidade bastante comum é o uso de gírias ou expressões
inadequadas. No exemplo, pensemos
num tema como corrupção:
Percebemos, por esses dados, que os
políticos não estão nem aí para a população. Estão se lixando se as crianças
ficam sem merenda na escola, desde que o dinheiro vá encher os bolsos deles.
“Não estão
nem aí”, “estão se lixando”, “encher os bolsos”. Evite isso tudo. Busque formas
mais impessoais de dizer a mesma coisa. Não é pra você conhecer palavras
difíceis que os professores pedem que enriqueçam o vocabulário. É
para saber como dizer a mesma coisa de outra forma, mesmo que use palavras
corriqueiras.
Percebemos, por esses dados, um completo
descaso da classe política para com o povo que supostamente representam. Não se
comovem com a falta de merenda nas escolas. O que importa para eles é continuar
desviando as verbas para seu próprio benefício.
Tem alguma
palavra difícil aí? Você precisou recorrer ao dicionário para entender o que
está escrito? Claro que não. Apenas usei um vocabulário mais rico para reescrever o trecho de forma mais formal. Podemos até imaginar
que o primeiro exemplo seja o rascunho, e que o segundo seja a versão
definitiva, passada a limpo na folha de resposta. O aluno percebeu
que estava inadequado e corrigiu a tempo.
Espero ter
ajudado você a se preparar para a prova, caro leitor. Pretendo
colocar muitas dicas mais para que arrase na redação.
Um grande
abraço.
Professor
Rafael.
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