segunda-feira, 27 de março de 2017

A diferença que faz uma vírgula!

Eu não uso Twitter. Mas pelo Facebook tive contato com uma piada originária do Twitter, através do repasse de um contato meu. A piada é essa abaixo.



Não tenho intenção de ficar explicando piada. Mas como o blog é sobre gramática, vou falar do pequeno deslize cometido na manchete.

O uso da vírgula é muito mal empregado em qualquer rede social e não vou ficar especulando aqui sobre a qualidade da educação. Era de se esperar, pelo menos, que um jornalista tomasse o cuidado de usá-la corretamente. Acredito, no entanto, que tenha sido um mero deslize e não vou condená-lo por esse erro, que poderia ter sido cometido por qualquer um. Mas quando a mídia especializada comete erros desse tipo, a população não perdoa.

Pois bem. Qual foi o erro, então?

O uso da vírgula, embora na maioria das vezes siga regras bem específicas, em alguns casos serve para evitar ambiguidade. Foi exatamente o caso na notícia acima. A expressão “sem sutiã” na manchete, muito próxima da palavra “arcebispo”, deixa a impressão de que o arcebispo é que estava sem sutiã. Uma vírgula  depois da palavra “arcebispo” teria sugerido o afastamento entre esses termos da oração, levando automaticamente a identificarmos que quem estava sem sutiã era a pessoa mencionada anteriormente, ou seja, Angelina Jolie. Vejam:

Jolie vai a reunião com arcebispo, sem sutiã, e vira assunto nas redes sociais.

Talvez pelo contexto, a maioria dos leitores não tenha percebido a gafe, pois ninguém esperaria que o arcebispo usasse sutiã. Numa leitura rápida, a maioria dos leitores entendeu que era Jolie que estava sem sutiã. Mas o descuido deixou a porta aberta para que João Luis Jr. se aproveitasse de forma genial da situação. Numa só tacada ele tirou sarro do deslize do jornal e ainda criticou esse policiamento exagerado que se faz sobre as menores atitudes de qualquer celebridade.

Numa breve pesquisa no Google (usando os termos “Jolie Arcebispo sem sutiã”) podemos ver que outros jornais usaram estratégias para fugir dessa pegadinha ao dar a mesma notícia.

O Observatório do Cinema escreveu: “Sem sutiã, Angelina Jolie vai a reunião com arcebispo e causa polêmica”. O Fuxico fez manchete parecida: “Sem sutiã, Angelina Jolie encontra arcebispo e vira assunto na web”. Ambos escaparam de forma elegante, aproximando a expressão daquela a quem se referia. O Catraca Livre escreveu: “Angelina Jolie causa polêmica por ir a reunião sem sutiã”, excluindo o arcebispo da frase por garantia. Metropoles resolve mudar a posição da expressão e também evita a ambiguidade ao redigir a manchete da seguinte forma: “Angelina Jolie vai sem sutiã a reunião com arcebispo e é criticada”.

Até o momento em que escrevi isso, ninguém tinha alterado as manchetes dos sites. Nem há necessidade. Essa correção seria adequada a uma notícia com erros crassos de veracidade. Mas um deslize tão pequeno não merece tanta atenção para ser corrigido, assim como a própria notícia não merecia atenção para ser veiculada. Afinal, o próprio arcebispo nem tocou no assunto e só elogiou a atriz, dizendo ter sido um privilégio recebê-la.

terça-feira, 14 de março de 2017

Discurso Indireto Livre

Numa história há três tipos de discurso.


1)  O discurso direto, em que o narrador reproduz a fala do personagem usando aspas ou travessões, como neste exemplo:

João se dirigiu a recepcionista:
—Por favor, em que andar é a sala do Dr. Coutinho?

2)  O discurso indireto, em que o próprio narrador menciona qual foi a fala do personagem:

João se dirigiu à recepcionista e perguntou em que andar ficava a sala do Dr. Coutinho.

Quando se usa um e quando se usa o outro?
Normalmente quando se inicia um diálogo, ou onde as falas dos personagens são longas, usar o discurso direto é mais adequado. Deixa-se o discurso indireto, então, para pequenas falas entremeadas na narrativa, como no exemplo dado. Não há por que criar uma introdução para um diálogo apenas para uma curta fala. Vejam.

Naquela manhã João estava disposto a resolver algumas pendências que vinha adiando. Em primeiro lugar iria ao dentista. Apesar de não estar sentindo dor, já havia passado da hora de fazer um exame de rotina e uma profilaxia.
Chegou ao edifício, dirigiu-se a recepcionista, perguntou em que andar ficava a sala do Dr. Coutinho e entrou no elevador.
Na sala de espera puxou o celular para ver se havia alguma mensagem. Como não havia nada, foi até a mesa de centro procurar alguma leitura pra passar o tempo. Mas era difícil achar algo de seu agrado. A maioria das revistas eram sobre odontologia.

Caso fôssemos usar o discurso direto no trecho acima, haveria uma desnecessária quebra de ritmo.

Naquela manhã João estava disposto a resolver algumas pendências que vinha adiando. Em primeiro lugar iria ao dentista. Apesar de não estar sentindo dor, já havia passado da hora de fazer um exame de rotina e uma profilaxia.
Chegou ao edifício, dirigiu-se a recepcionista e perguntou:
—Por favor, em que andar é a sala do Dr. Coutinho?
De posse da informação, entrou no elevador.
Na sala de espera puxou o celular para ver se havia alguma mensagem. Como não havia nada, foi até a mesa de centro procurar alguma leitura pra passar o tempo. Mas era difícil achar algo de seu agrado. A maioria das revistas eram sobre odontologia.

Mas o formato de discurso mais interessante, na minha opinião, é o:

3)  Discurso indireto livre. Esse tipo de narrativa não se enquadra nos casos descritos acima. Ele é um recurso muito valioso que permite ao narrador entrar na consciência do personagem, provocando uma maior empatia com o leitor ao revelar sua forma de pensar, sua linha de raciocínio.

Embora não seja um recurso fácil de usar, quando bem aproveitado enriquece muito o texto. É uma arma poderosa do escritor para cativar o leitor. O trecho abaixo é retirado do livro “A Guerra dos Tronos”, página 12:

Will viu movimento com o canto do olho. Sombras pálidas que deslizavam pela floresta. Virou a cabeça, viu de relance uma sombra branca na escuridão. Logo depois ela desapareceu. Galhos agitaram-se gentilmente ao vento, coçando uns aos outros com dedos de madeira. Will abriu a boca para gritar um aviso, mas as palavras pareceram congelar na garganta. Talvez estivesse errado. Talvez tivesse sido apenas uma ave, um reflexo na neve, um truque qualquer do luar. Afinal, o que vira?
—Will, onde está?  — chamou Sor Waymar. — Vê alguma coisa? — o homem descrevia um círculo lento, cauteloso, de espada na mão. Deve tê-los pressentido, tal como Will os pressentia. Nada havia para ver. — Responda! Por que está tão frio?

Os trechos em vermelho são discurso indireto livre. Vejam como ele dispensa uma explicação. O autor não usa verbos para descrever que se tratam de pensamentos do personagem. Ele não diz: “Pensou que talvez estivesse errado. Imaginou se não teria sido uma ave, um reflexo na neve ou um truque qualquer do luar. Indagava-se o que teria visto, afinal.” Isso estragaria todo o texto. O discurso indireto livre segue fluido como uma fala do narrador que, naquele momento, incorpora o personagem e expõe suas ideias ao leitor.
Repito. É um recurso belo e muito poderoso. Deve ser usado com parcimônia e cuidado. Há momentos certos para sua aplicação num texto, e serve justamente para criar esse elo que prende o leitor, trazendo-o para dentro da história, fazendo-o sentir as mesmas emoções e sensações que o herói ou vilão sente.

Preste atenção no emprego desse recurso em suas próximas leituras. É fácil encontrar esse tipo de construção nos bons escritores. É uma ferramenta clássica e pode ser encontrado em autores de todas as épocas. Tente colocá-lo em seus próprios textos e veja se o efeito não é arrebatador. Você nunca mais abrirá mão dele.

terça-feira, 7 de março de 2017

Quer ser escritor? Escreva.

Você que acompanha este blog deve estar interessado no que ele promete: ajudar você a escrever melhor. Já deve ter ouvido muito que pra ser um bom escritor é preciso ler muito. Não discordo dessa afirmação, mas não é lendo muito que você vai se tornar um bom escritor. É escrevendo muito. E melhorando a escrita a cada frase nova.

Você não acha que assistindo a todos os jogos de futebol transmitidos na TV você vai se tornar um grande jogador profissional, acha? Pois tenho uma novidade para você: se ler muito, também não vai se tornar escritor. Vai se tornar um leitor. Talvez um crítico.

Como toda habilidade no mundo, o aprimoramento vem da prática constante. Quer ter músculos? Exercite-os na academia. Quer aprender inglês? Procure com quem falar em inglês. Quer ser jogador de xadrez? Jogue xadrez. Parece óbvio, mas ficaria surpreso em ver o quanto eu encontro de gente por aí que se acha bom escritor e não sabe concordância, esquece de usar vírgulas e acha a crase uma coisa de outro mundo.

“Mas como vou escrever mais e melhor?” — Você me pergunta.

O seu dia-a-dia está repleto de oportunidades para escrever. Use-as. Duvido que você não passe diversas horas escrevendo no WhatsApp. Ou no Facebook. Um bom começo é abolir as abomináveis e aberrantes abreviações (aliteração proposital para chamar sua atenção) que se costuma usar nas redes sociais. Jogue fora o “vc”, o “td” o “kd”, o “flw”, o “vlw” e outros horrores comuns de se ver por aí. Aproveite o embalo e use pontuação. Construa frases completas. Não fique tentado a responder apenas “S” ou “Sim.” Escreva: “É claro que eu vou à festa. Não a perderia por nada desse mundo.”

Sabe o que vai acontecer quando você fizer isso? Seu teclado vai aprender um novo vocabulário e você pode chegar a escrever mais rápido no celular do que no computador, que não conta com esse recurso. “Hein? Como assim?” Se você ainda não sabe, o teclado do seu celular vai aprendendo com a sua digitação. De onde você acha que vêm aquelas palavras que ele sugere quando você digita as primeiras letras de uma palavra? Por que quando você digita “ca...” ele sugere “casa” ao invés de “calango” ou “capivara”? Porque você digita com muito mais frequência a palavra “casa” do que as outras duas. Esse é só um dos benefícios de se escrever corretamente: ensinar seu telefone a ser verdadeiramente esperto (smart).

Assim como seu telefone, seu cérebro também irá aprender. Com essa prática você começará a cometer menos erros, aprenderá vocabulário e melhorará a capacidade de se fazer entender. E não só na internet!

Além das redes sociais e comunicadores instantâneos, atente-se à forma como escreve na escola ou no trabalho. Vai passar um bilhete para a crush? Capriche na escrita e aumente suas chances de receber um sorriso de volta. Vai deixar um recado para o chefe? Clareza é fundamental.

Lógico que isso não é o suficiente. Como eu disse, é só um começo, mas um bom começo! Para ser escritor (ou jornalista, ou publicitário) você tem de produzir também material da sua área. Escreva contos, escreva slogans, escreva notícias. Procure profissionais experientes da área que possam fazer uma leitura crítica dos seus escritos. Caso não conheça alguém que se voluntarie, saiba que existem profissionais que fazem leitura crítica mediante pagamento. Dependendo do seu caso, pode valer a pena. Pense nisso.

E, finalmente, leia muito. Não deixe de ler. Verá que, aos poucos, a sua leitura ficará mais crítica e você não só aprenderá técnicas usadas pelos seus autores preferidos, mas também encontrará erros e deslizes em coisas que encontra por aí. E não estou me referindo ao cartaz na porta da borracharia, não, mas a manchetes de jornais conceituados e publicidades de artigos caros. Ou você acha que eles também não cometem erros?

sexta-feira, 3 de março de 2017

Chorando se foi a Regência Verbal

Um erro muito comum, que me incomoda, mas que parece não receber a devida atenção no meio acadêmico, é o erro de regência verbal. Quando a frase é direta, é fácil perceber o erro. O problema é que, em orações subordinadas, quando o objeto é substituído por uma oração, o erro de regência parece se ocultar na complexidade da frase.

Vejamos um exemplo bem cotidiano para ilustrar o que eu digo.

“Ela gosta do rapaz.”

O verbo “gostar” exige a preposição “de” e acho que mesmo quem não é muito fã de gramática jamais diria “Ela gosta o rapaz”. Essa é uma frase simples, direta, de uma única oração. Agora vejamos o que acontece quando colocamos essa oração como subordinada de outra.

“Esse é o rapaz que ela gosta.”

Temos dois verbos nessa frase, portanto duas orações. O verbo “ser” em “esse é o rapaz”, e o verbo gostar em “que ela gosta”. O problema é que a construção dessa frase está errada. E o erro está justamente na regência verbal do verbo gostar. Ele é transitivo indireto e sabemos que ele exige o “de”, como já dissemos mais acima. A oração “que ela gosta” é uma oração subordinada adjetiva restritiva. Ela faz o papel de um adjetivo que qualifica e restringe a palavra “rapaz”. Esse não é qualquer rapaz. É um rapaz especial.  O pronome “que” nessa oração tem a finalidade de evitar a repetição da palavra “rapaz”. Separando as orações e substituindo “que” por “rapaz”, a segunda oração ficaria “ela gosta o rapaz” ficando assim evidenciado o erro.

A construção correta dessa frase seria, então: “Esse é o rapaz de que ela gosta.”

Esse é um erro muito comum que é fácil de ser encontrado em letras de músicas, campanhas publicitárias, manchetes e notícias de jornal. Basta estar atento. Na minha opinião, isso evidencia o descuido com que esse tema é tratado nas aulas de gramática. Como pode um publicitário ou jornalista cometer um erro desses?

Veja o exemplo de uma canção que fez muito sucesso um tempo atrás.

“Chorando se foi quem um dia só me fez chorar.
Chorando estará ao lembrar de um amor que um dia não soube cuidar.”

Você, leitor, sabe me apontar onde está o erro de regência verbal? Depois da explicação acima fica fácil percebê-lo, não é?

Então, se você ama o português como eu, não vai deixar passar esse tipo de erro.

Mostre pra mim que você está atento. Comente sobre outros erros semelhantes de regência verbal encontrados por você em músicas, notícias ou campanhas publicitárias.