É comum que
autores iniciantes queiram embelezar seu texto usando um linguajar com o qual
não estão acostumados, e por isso se vê muitos diálogos em segunda pessoa. Não
há nada de errado em usar essa forma se a história narrada acontece em épocas passadas,
ou em regiões nas quais normalmente as pessoas falam assim. Mas deve-se tomar
um grande cuidado para evitar um erro que chamo de “Síndrome do Abra-te Sésamo”.
Se seu
personagem fala em segunda pessoa, todos os pronomes e verbos devem ser
flexionados nessa pessoa. Não se deve escrever “tu vai”, por exemplo, a não ser
que o objetivo seja, justamente, destacar que o personagem erra na
concordância. Mas não é a esse caso que me refiro. Tratarei aqui das situações
em que uma história se passa no século passado, na antiguidade clássica, em um
país estrangeiro, ou em qualquer lugar onde o uso da segunda pessoa seja
adequado para caracterizar adequadamente o local e a época da narrativa.
E o que seria
essa tal “Síndrome do Abra-te Sésamo”?
É o erro de concordância verbal que o autor insere sem perceber. Ali Babá não
usou a frase “Abra-te Sésamo” para abrir a caverna, nem tampouco os quarenta
ladrões. Recordemos a conjugação do verbo abrir no imperativo:
Abre tu (segunda pessoa do singular)
Abra você (terceira pessoa do singular)
Abramos nós (primeira pessoa do plural)
Abri vós (segunda pessoa do plural)
Abram vocês (terceira pessoa do plural)
Portanto, se o
pronome utilizado é “te”, deduzimos que a fala está na segunda pessoa do
singular e, nesse caso, o verbo deveria ser “abre”, e não “abra”.
O correto é “Abre-te
Sésamo”; jamais “Abra-te Sésamo”. Se não for usada a concordância correta, a
caverna não se abre.
Autores
desacostumados a falar em segunda pessoa frequentemente se esquecem de
flexionar todos os verbos, deixando, volta-e-meia, em seu texto, alguns
órfãos em terceira pessoa.
Vou ilustrar
isso com um exemplo. Suponhamos que um autor esteja escrevendo uma história de
piratas e o capitão está ordenando aos seus subordinados que cavem um buraco
para enterrar o baú do tesouro.
“— Cavem logo
esse buraco, seus parvos. Obedecei minhas ordens se não quiserem ter vossas
gargantas cortadas. Se não tiverdes enterrado esse baú até o meio-dia,
degolarei um de vós a cada minuto.”
Vejam que o
capitão usa a segunda pessoa do plural não por afetação ou pedantismo, mas
porque o autor escolheu essa forma como linguagem comum para os personagens devido
ao contexto histórico-geográfico. Nesse caso, não há possibilidade de trocarem
a segunda e a terceira pessoa por acidente, já que estão acostumados a falar
assim. Então, por que a primeira ordem dada pelo capitão seria “cavem”, ao
invés de “cavai”? E por que usou “quiserem” ao invés de “quiserdes”?
Esses deslizes
ocorrem com bastante frequência. A falta de uso ou o uso errado no dia-a-dia
leva os autores a descuidar da concordância. É compreensível, mas não
desculpável. Um escritor deve zelar pela coerência e pelo bom uso da língua.
Então, se sua
história demanda que os personagens usem a segunda pessoa em suas falas, lembre-se
de cuidar para que todos os verbos e pronomes estejam dessa forma. Vá além: quando
for usada a segunda pessoa do singular, lembre-se de que, no plural, também é
preciso usá-la.
Se você fica
mais à vontade usando a terceira pessoa e se sua história não precisa estar em
segunda pessoa, não há mal nenhum em usar a forma que lhe é mais familiar,
desde que zele sempre pela concordância, qualquer que seja sua escolha.
“Abre-te
Sésamo” ou “Abra-se Sésamo”. Não há outra forma aceitável.
Use a
concordância correta e as portas da caverna se abrirão para você, revelando os
tesouros que procura.
Bons
escritos.
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